sábado, 6 de março de 2010

Crítica literária – um espaço onde se expõe o que se leu.

Livro: Para além do tempo
Género: Contos
Autor: José Ilídio Torres
Editora: Temas Originais
Preço: 10 €


Análise:

Neste livro, “Para além do tempo” podemos encontrar nove contos, cada um com vida própria e por isso, com uma personalidade única.

Com um início do livro bastante cativante, o conto – A rapariga que falava com o vento – veste uma prosa poética que descreve com amor a vida da personagem principal, rodeada de belas imagens, que o autor constrói com precisão digna de um cirurgião.
Depois vem – Rio do Esquecimento – um conto que nos faz viajar pelo tempo e nos aquece a memória para nos lembrar que em cada espaço já houve outro espaço e outro tempo. É um conto dinâmico e que trespassa vários tempos.
No conto seguinte – O homem que só sabia falar verdade – é uma missiva fundamental, imprevisível, que toca-nos fundo e, quanto a mim, termina de uma forma soberba. Ninguém ficará indiferente a este belíssimo conto.
– A velha senhora dos gatos – o autor aborda de uma forma sintética dois mundos, o da personagem principal e o social de uma era, com a magia das palavras, bem trabalhadas, que enquadram o leitor.
– A casa encantada – é um conto longo, com identificações aos tempos, ao norte e aos costumes de um povo.
Segue-se – Déjà vu – onde podemos viver um tempo longínquo e em simultâneo um tempo actual, tal é o enfoque que o personagem principal se vê envolvido, levando consigo o leitor num conto longo que daria um excelente romance se o autor quisesse desenvolve-lo. Tudo isto, sustentado por uma escrita fantástica.
– A estranha história de Júlio Chuva – é mais um jogo do autor onde envolve o tempo, toca em rituais estremecidos e desenha uma mutação fabulosa.
Novo conto em – Zé Tempo – preenchido de imagens, creio que daria um excelente filme, onde se viaja nos três tempos; passado, presente e futuro, desta narrativa contada na primeira pessoa.
No último conto – A mão de Helena – o autor confecciona uma história de amor, sempre entre os tempos, com um aliciante jogo de coincidências ou talvez não, da vida que podia ser a de qualquer um.

Senti este livro com um livro pensado ao pormenor, trabalhado exaustivamente, e com uma escrita de grande qualidade onde se consegue, obrigatoriamente, acrescentar ao leitor uma sensação de “valeu a pena” e de grande prazer. Provam-no algumas passagens:

“E quando tentou erguer-se, rodaram na sua cabeça roldanas de uma engrenagem desconhecida, accionando sinos sem dó que lhe baldaram sem agrado.
Vomitou cobras que desapareceram rápidas. Um sapo gordo riu-se na fronteira do possível.” – Excerto do conto: A mão de Helena – o último conto.

Ou em outro registro:

“Uns seios redondos que tinham neles as formas dos montes, adolescentes com sempre serão as formas da terra, em perpétua mudança, em constante devir, fosse dada aos homens a fortuna da vida eterna para o poderem observar.” – Excerto do conto: A rapariga que falava com o vento – o primeiro conto.

Para finalizar, na minha perspectiva, este livro para além do prazer de lê-lo é um excelente incentivo, quer a leitura quer a escrita, e de uma forma subtil ensina-nos a técnica de escrever contos fabulosos. É de leitura obrigatória.

Grato por lerem o que escrevi.

José António Grilo
(GE3)
2010-03-06

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